sábado, 31 de dezembro de 2016

Mais sobre transgênicos



Como tenho sido muito relapso com o blog nos últimos meses, não é surpreendente que eu não tenha discutido a mais nova controvérsia sobre transgênicos. Um artigo na capa do NY Times no final de Outubro questiona o aumento de produtividade das plantas transgênicas. O jornalista Danny Hakim baseou as suas conclusões em uma comparação da produtividade da agricultura norte-americana (EUA e Canadá onde transgênicos são usados) com a européia (onde transgênicos não são usados).
Antes de discutir os problemas da abordagem de Hakim, vale ressaltar que o tema do artigo é bem vindo e merece análises mais criteriosas (ou seja, com uma metodologia científica). De fato, o famoso relatório da National Academy of Sciences (NAS) dos EUA (discutido por mim aqui) já indicava que o ganho de produtividade não é muito alto, e baseava tais conclusões em evidências científicas.

Dito isso, o artigo de Hakim traz sérios problemas que afetam a sua credibilidade. Primeiramente, as comparações são grosseiras. Ao comparar continentes, Hakim incorreu no erro de ignorar os inúmeros parâmetros que certamente afetam a análise. Ao fazer uma comparação tão grosseira, ele só perceberia alguma diferença caso o ganho de produtividade dos transgênicos fosse dramático. Um problema mais sério do artigo é que Hakim usa dados do relatório da NAS para suportar a sua conclusão mas ignora outros dados do relatório que vão contra a mesma. Por exemplo, o relatório da NAS diz explicitamente que a produtividade dos transgênicos é maior em alguns casos como naquelas situações onde o controle das ervas daninhas é maior. A sua conclusão de que o uso de pesticidas tem caído na Europa também tem sido questionada desde que o artigo foi publicado (por exemplo, aqui e aqui).

Como discutido nos dois links acima, um grande problema no debate sobre transgênicos é tratá-los como um coisa só. O relatório da NAS já indicava claramente que as conclusões mais definitivas são obtidas quando se analisa cada espécie de transgênico separadamente.

FELIZ 2017!

domingo, 30 de outubro de 2016

Cuidado: post produzido a partir de produto transgênico

Nos últimos meses a rotulagem de produtos contendo transgênicos foi alvo de intensa atividade legislativa e/ou judiciária tanto no Brasil como nos EUA. Lá, o congresso americano aprovou uma lei padronizando os rótulos. Houve muita gritaria por parte dos grupos anti-transgênicos. Eu, particularmente, acho a padronização bem vinda já que ela impede o lobby de grupos anti-transgênicos nas câmaras legislativas estaduais e assim o consumidor tem uma informação mais confiável e menos enviezada do ponto de vista ideológico. Aqui no Brasil, a Câmara aprovou em Abril projeto de lei que acaba com a exigência do rótulo em produtos contendo transgênicos mantendo a obrigatoriedade para os produtos que apresentarem presença de transgênicos "superior a 1% de sua composição final". Menos de um mês depois, o STF garantiu a rotulagem em produtos contendo qualquer quantidade de transgênicos.

Eu não vejo a necessidade do rótulo já que é consenso na comunidade científica que transgênicos não causam mal à saúde humana. Já discuti esse assunto no blog em algumas oportunidades. Entendo, no entanto, que esse é um assunto sensível para boa parte da população. Assim, não vejo problema na existência dos rótulos, embora ache que os mesmos deveriam ser mais informativos deixando explícito que os trangênicos não fazem mal à saúde humana.

A questão principal refere-se à ignorância de boa parte da população quanto aos princípios que governam a ciência. Nesse sentido o debate dos trangênicos lembra o debate sobre a pílula do câncer, a fosfoetanolamina. Ambos são dominados por posições ideológicas e/ou emotivas. Os cientistas continuam a demonstrar a sua incapacidade de convencer os leigos sobre temas que a ciência já tem respostas.

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terça-feira, 5 de julho de 2016

Aprendizado ativo, JÁ!

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Já havia escrito aqui sobre um artigo do PNAS mostrando através de uma meta-análise o efeito positivo do aprendizado ativo sobre as taxas de aprovação e frequência em alunos americanos. Agora, uma nova pesquisa, publicada no CBE-Life Science Education e disponível aqui, mostra que o engajamento precoce de alunos em projetos de pesquisa, ao invés de aulas expositivas, tem também um impacto positivo no tempo de conclusão do curso e na taxa de evasão. O estudo foi feito na University of Texas - Austin e comparou 2500 alunos submetidos ao programa experimental com um grupo equivalente de alunos submetido ao tradicional aprendizado passivo. O estudo mostra que 94% dos alunos submetidos ao aprendizado ativo concluíram o curso, comparado a 71% do grupo controle. Além disso, 83% dos alunos do grupo experimental concluíram o curso em menos de 6 anos, comparado a 66% no grupo submetido ao aprendizado passivo.
Parabéns à University of Texas - Austin pela implementação do programa e pela análise que resultou no artigo. Mais evidências que aprendizado ativo FUNCIONA!


domingo, 3 de julho de 2016

Edge.org - sensacional

Vagando pela internet, dei de cara com o Edge.org.  Já tinha ouvido falar sobre as "Questões Anuais" do Edge.org mas ainda não tinha visitado. Sensacional! Tiro do próprio site uma descrição:

"The motto of the Club was inspired by the late artist-philosopher James Lee Byars: "To arrive at the edge of the world's knowledge, seek out the most complex and sophisticated minds, put them in a room together, and have them ask each other the questions they are asking themselves."

A base do Edge.org é a "Terceira Cultura": cientistas e pensadores que falam diretamente com o público leigo, substituindo (ou complementando) os intelectuais mais tradicionais. Entre os vários tópicos que merecem uma leitura, sugiro o bate-papo com George Church (disponível aqui).


domingo, 29 de maio de 2016

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Transgênicos são seguros, segundo a National Academy of Science dos EUA

A National Academy of Science (NAS) americana debruçou-se sobre os organismos geneticamente modificados (ou transgênicos) e concluiu algo que já estava bastante claro entre aqueles que estudam o tema: os transgênicos são seguros e sua utilização traz benefícios para o homem e o ambiente. A NAS formou um comitê multidisciplinar há alguns anos, o qual analisou quase 1.000 trabalhos científicos sobre o tema, entrevistou quase uma centena de especialistas no assunto e interagiu com o público para produzir um relatório de mais de 400 páginas sobre o assunto. O relatório (em inglês) pode ser obtido gratuitamente na página da NAS acima. 
Em um debate dominado por posições políticas e ideológicas, o relatório da NAS é refrescante no sentido de ser uma análise dura e crua das evidências. Vejam a conclusão geral sobre o efeito de transgênicos no ambiente:
 
"Overall, the committee found no conclusive evidence of cause-and-effect relationships between GE crops and environmental problems. However, the complex nature of assessing long-term environmental changes often made it difficult to reach definitive conclusions. That is illustrated by the case of the decline in overwintering monarch butterfly populations. Studies and analyses of monarch dynamics reported as of March 2016 have not shown that suppression of milkweed by glyphosate is the cause of monarch decline. However, there is as yet no consensus among researchers that increased glyphosate use is not at all associated with decreased monarch populations. Overwintering monarch populations have increased moderately in the last 2 years. Continued monitoring will be useful"

Agora sobre o efeito de transgênicos na saúde humana:

"On the basis of its detailed examination of comparisons between currently commercialized GE and non-GE foods in compositional analysis, acute and chronic animal toxicity tests, long-term data on health of livestock fed GE foods, and epidemiological data, the committee concluded that no differences have been found that implicate a higher risk to human health safety from these GE foods than from their non-GE counterparts. The committee states this finding very carefully, acknowledging that any new food—GE or non-GE—may have some subtle favorable or adverse health effects that are not detected even with careful scrutiny and that health effects can develop over time"

A cautela no final de cada conclusão é natural e padrão em qualquer texto científico. A controvérsia que paira sobre o tema também recomenda uma certa dose de cautela. A conclusão final, no entanto, é bastante clara e já esperada baseado em outros estudos mais específicos. O grande desafio é ainda passar informação de qualidade ao público leigo. Uma pesquisa de opinião recentemente realizada nos EUA mostrou que 57% dos americanos adultos consideram a comida proveniente de transgênicos insegura. Entre aqueles que se consideram bem informados sobre ciência, este número cai para 47%. Ou seja, quanto mais bem informada a pessoa, maior a sua aceitação dos transgênicos. 

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sábado, 9 de abril de 2016

PETase

Como todos sabem, um dos maiores problemas ambientais da atualidade é o número de itens de plástico que acabam acumulados no ambiente. Estima-se que apenas 14% de todo esse plástico acabe sendo reciclado. Em um dos últimos números da Science, um grupo do Japão descreve uma bactéria, Ideonella sakaiensis, capaz de degradar um dos principais tipos de plástico, o PET (PolyEthylene Terephthalate). Como eles chegaram lá é fascinante. Os autores sequenciaram o DNA de espécies existentes em uma usina de reciclagem de garrafas PET. Faz sentido já que a abundância do material pode ter dado uma vantagem seletiva a uma dada espécie que adquirisse a capacidade de degradá-lo e usá-lo como fonte de energia.
Ao analisar a sequência do genoma da espécie degradadora de PET, os autores chegaram à enzima responsável pela degradação, uma PETase. Há ainda muito trabalho a ser feito para podermos avaliar a aplicabilidade dessa descoberta. Mas não deixa de ser promissor.



domingo, 20 de março de 2016

Traços vestigiais.....estamos perdendo mas ainda restam alguns

Vejo no blog do Jerry Coyne (Why evolution is true) um vídeo (em inglês) sobre os famosos traços vestigiais em humanos. Traços vestigiais são características que perderam a sua função ancestral (completa ou parcialmente) mas que ainda existem em espécies atuais. A existência de traços vestigiais é uma forte evidência a favor da evolução.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Eu sou um parasita

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A "The New England Journal of Medicine" é uma das principais revistas médicas há décadas. Pois bem, no editorial do seu número de 21 de Janeiro, Dan L. Longo (deputy editor) e Jeffrey M. Drazen (editor-in-chief) deram o famoso "tiro-no-pé". O assunto era compartilhamento de dados e tudo ia bem até o parágrafo abaixo:

"A second concern held by some is that a new class of research person will emerge — people who had nothing to do with the design and execution of the study but use another group’s data for their own ends, possibly stealing from the research productivity planned by the data gatherers, or even use the data to try to disprove what the original investigators had posited. There is concern among some front-line researchers that the system will be taken over by what some researchers have characterized as “research parasites.”"

 Os editores chamaram aqueles que usam os dados compartilhados de "parasitas". Ou seja, segundo eles, eu sou um parasita, assim como a maioria dos cientistas, especialmente os bioinformatas. Talvez eles não se lembrem, mas é justamente através do uso compartilhado de dados que a ciência caminha. A reação da comunidade, como esperada, não foi amistosa. Criaram até uma hashtag "#Iamaresearchparasite".  O editor-in-chief Jeffrey Drazen teve várias oportunidades de desculpar-se mas preferiu insistir no erro. À revista Science, ele disse que os cientistas deveriam colaborar com os grupos que geraram os dados.

Caso você esteja interessado na vaga de editor-in-chief de uma grande revista médica, fique atento.....uma vaga deve estar disponível logo, logo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Notícias do oriente

Vejo na Science de 19 de Janeiro algumas notícias que mostram as diferenças no cenário científico entre alguns países. Primeiro, um dos congressos científicos mais importantes da Índia (o Indian Science Congress na sua 103a edição) virou motivo de revolta entre membros da comunidade científica indiana. Palestras pouco científicas têm aparecido no programa do congresso já há alguns anos mas aparentemente em 2016 a situação tornou-se jocosa. Um dos palestrantes argumentava que a deusa Shiva foi a maior ambientalista do mundo. Em outra palestra, discutiu-se os benefícios à saúde provocados pelo ato de soprar uma concha.

Já em Cingapura, o governo anuncia um orçamento de >13 bilhões de dólares de 2016-2020, um aumento de 18% sobre o ciclo anterior de 5 anos. Mais de 1/5 do orçamento vai para as ciências da saúde e biomédica.

As notícias dizem muito sobre o futuro dos dois países.

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Feliz Darwin Day



"There is grandeur in this view of life, with its several powers, having been originally breathed into a few forms or into one; and that, whilst this planet has gone cycling on according to the fixed law of gravity, from so simple a beginning endless forms most beautiful and most wonderful have been, and are being, evolved. "

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O ator que adora ciência

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Uma das figuras mais importantes na divulgação científica não é um cientista mas sim um ator e diretor: Alan Alda. Leio na página da National Academy of Science que ele ganhou o mais prestigioso prêmio da prestigiosa academia americana: "the Public Welfare Medal". Nada mais merecido! Entre as suas muitas contribuições, ele apresentou o programa de televisão "Scientific American Frontiers" na PBS e ajudou na fundação do "Alan Alda Center for Communicating Science" na Universidade de Stony Brooks.
Aqui vocês podem encontrar uma excelente entrevista de Alan Alda onde ele só fala sobre o seu envolvimento com divulgação científica.  Há tanto o vídeo como a transcrição da entrevista (ambos em inglês). A entrevista é sensacional. Ele descreve a motivação por trás de vários dos programas do seu centro. Por exemplo, aos 11 anos de idade ele era fascinado pela chama na ponta de uma vela. Quando perguntou à sua professora o que é uma chama, a resposta foi desapontadora: "oxidação", disse a professora. Como Alan diz na entrevista, houve apenas uma troca de nomes. Isso o motivou, décadas depois, a promover o desafio da chama onde cientistas propõe respostas à pergunta que ele fez a sua professora aos 11 anos de idade. As respostas foram avaliadas por crianças de 11 anos de idade.
Aos 80 anos de idade ele continua firme e forte.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Marcelo Gleiser...mirou no ângulo, acertou a bandeirinha de escanteio.

Demorei vários dias para digerir o artigo de Marcelo Gleiser na Ilustríssima de 27 de Dezembro (disponível aqui). A crítica do título do post não reflete de maneira alguma a minha opinião sobre os textos do físico brasileiro. Eles são normalmente excelentes! Mas dessa vez, Gleiser errou na mão.
Pois bem, vamos lá.
Marcelo, no seu artigo, toca em um dos pontos mais controversos dos últimos 200 anos, a interface entre ciência e religião. O seu texto é uma crítica à posição dos chamados "novos ateístas" ou "novos ateus",  gente do calibre de Richard Dawkins e do saudoso Christopher Hitchens. Aqui, Gleiser mira o ângulo (visto que concordo que o extremismo desses últimos mais atrapalha do que ajuda) mas acerta a bandeirinha de escanteio com argumentos (pelo menos) dúbios. Por exemplo, o seu argumento do sobrenatural que quando observado se torna natural ("Um fantasma que é visto não é mais uma entidade sobrenatural") é fraco, já que o que se questiona é a observação e não o significado dela. Ou seja, a subjetividade inerente à expressão "Eu vi um fantasma" não cabe no método científico e consequentemente na ciência.
Um outro ponto onde ele mira o ângulo é a menção ao nome de Francis Collins, um dos cientistas mais respeitados da atualidade e diretor do NIH americano. A opinião dele deveria ser muito considerada e essa é a intenção de Gleiser ao citá-lo. Mas Marcelo acerta a bandeirinha de escanteio ao não mencionar que várias das posições de Collins em relação à interface ciência/religião têm sido corretamente criticada, inclusive por mim (ver aqui), por seu viés criacionista.
Finalmente, na parte mais poética do texto (abaixo de "Agnósticos") Marcelo Gleiser mira no ângulo ao humanizar os cientistas e mostra de forma lírica a busca dos seculares pela informação e razão. Mas, infelizmente, ele acerta a bandeirinha de escanteio ao nivelar esse processo secular de busca à crença dos religiosos. Gleiser erra ao não qualificar os religiosos. A grande maioria das pessoas religiosas do planeta não são movidas pela busca do desconhecido mas sim pela ignorância e por aspectos mais tribais (para usar uma expressão do próprio Marcelo) relacionados à religião.