quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O telefonema do Brentani


  

  O inverno na Nova Inglaterra, para o meu desespero, já estava incomodando. Havia decidido que aquele inverno de 1997/1998 seria o meu último por aquelas bandas. O problema é que eu não tinha emprego no Brasil para voltar. Apesar de um pós-doc de bastante sucesso, as ofertas de emprego estavam restritas ao mercado norte-americano. Como eu trabalhava em um dos primeiros laboratórios de bioinformática no mundo e sob a supervisão de um dos pais da Biotecnologia (Walter “Wally” Gilbert), as ofertas de emprego vinham dessa indústria. 
    Até que em meados de Novembro recebo um telefonema de Ricardo Brentani, diretor da filial do Instituto Ludwig no Brasil e meu orientador de doutorado. “Precisamos conversar pessoalmente. Vou te mandar uma passagem para a semana que vem”. Se aprendi alguma coisa nessa vida foi confiar no saudoso “Brenta”. Lembro até hoje da minha resposta: “Claro, afinal também estou com saudades”, o que se seguiu a sua inconfundível gargalhada. Como eu já mencionei em um post anterior, a comunidade científica brasileira (e principalmente a paulista) passava por um momento de grande euforia. A iniciativa da genômica no estado de SP estava de vento em popa com o projeto de sequenciamento da bactéria Xylella fastidiosa. Brentani e Andy Simpson, então pesquisador-senior da filial de SP convenceram os diretores do Ludwig nos EUA a investirem em um projeto de sequenciamento de sequências expressas, as ESTs (Expressed Sequence Tags) em tumores de alta incidência no Brasil. A Fapesp, ansiosa por espandir a sua iniciativa genômica, topou entrar no projeto. Um problema porém atormentava a todos. Havia a necessidade de um bioinformata para tocar a parte computacional do projeto. Daí a ligação de Brentani naquele frio Novembro de 1997 em Cambridge, MA. 
    A visita de poucos dias foi extremamente produtiva. Conheci Andy e o seu grupo. Havia uma atmosfera de grandiosidade, aquela percepção de que se está passando por um momento único. Para um jovem cientista, a oportunidade de trabalhar em algo grandioso e importante NO SEU país de origem era um sonho. Acertei com Brentani que voltaria por volta de Setembro de 1998, afinal precisava terminar algumas coisas no pós-doc já compromissadas com Wally. No entanto, de imediato já comecei a participar da concepção do projeto. No início de 1998, Andy Simpson, Fernando Perez (na época diretor científico da Fapesp) e eu fomos ao National Cancer Institute visitar Bob Strausberg, então coordenador do projeto americano CGAP (Cancer Genome Anatomy Project), já em andamento e que tinha objetivos bastantes similares ao projeto brasileiro. A ideia de um projeto brasileiro que serviria para complementar os esforços do CGAP foi recebido com entusiasmo por Strausberg.  Começávamos a amadurecer o projeto brasileiro. Ainda no início de 1998, recebi na Harvard a visita de Emmanuel Dias-Neto, na época pos-doc de Simpson no Ludwig. Ele deu uma palestra sobre uma metodologia desenvolvida por eles chamada de “ORESTES” (Open Reading Frame ESTs). Simpson e os colegas baseados no Brasil estavam em dúvida sobre qual tecnologia usar no sequenciamento das ESTs brasileiras. De imediato, argumentei que deveríamos usar a tecnologia ORESTES no projeto brasileiro. Primeiro porque ela era uma tecnologia desenvolvida no Brasil e segundo, ela sequenciava preferencialmente as regiões centrais dos transcritos (mensagens provenientes dos genes), ao contrário da técnica usado pelo CGAP que preferenciamente selecionava as extremidades dos mesmos transcritos.  A tecnologia ORESTES foi a escolhida e na metade do ano de 1998 iniciou-se um projeto piloto usando amostras de câncer de mama. Um paper descrevendo os resultados desse projeto piloto foram publicados no PNAS, disponível aqui. No meio de 1999, iniciamos o Projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela Fapesp e pelo Instituto Ludwig. Retorno a esse tema em posts futuros.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Richard Dawkins e o pum de Deus


Depois que publiquei "A Goleada de Darwin" em 2009, recebi algumas mensagens agressivas de leitores criacionistas. Nada comparado ao mailbox de Richard Dawkins. O vídeo acima é assustador e ao mesmo tempo hilário. Vale um aviso: o conteúdo é pesado em algumas partes! No entanto, há momentos absurdamente engraçados. Um exemplo: "Your fading intelligence is nothing more than a fart of God" (por volta de 5:20 no vídeo).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Rogério Cezar de Cerqueira Leite e um debate que merecia melhor postura

Estou no exterior e demorei para perceber (e depois digerir) o artigo do físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite na Folha de São Paulo (texto disponível aqui). O artigo já gerou uma certa controvérsia (ver aqui). Antes de discutir alguns pontos levantados pelo artigo, lamento que mais uma vez o professor Rogério tenha perdido a oportunidade de iniciar um debate de forma eficaz. A sua acidez tirou o foco dos muitos problemas que ele corretamente apontou (mas também de algumas besteiras escritas por ele).

Pois bem, selecionei para comentar alguns pontos do artigo.  O primeiro refere-se à grande quantidade de publicações de baixo (ou nenhum) impacto, o que Rogério chama de "lixo acadêmico". Infelizmente, isso é uma verdade. A revista Veja recentemente tratou desse assunto. O aumento da produtividade científica do Brasil se deu principalmente no número desse tipo de publicação, tanto que o mesmo aumento não se observa no número de citações (esse sim um dos reflexos do impacto). O fato é que a nossa comunidade científica é medíocre. Isso é uma realidade decorrente de alguns fatores entre eles a má formação de recursos humanos e a existência de um sistema de ciência e tecnologia cujo principal componente (a universidade) valoriza o ensino e não a pesquisa.

Outro ponto levantado por Rogério é o alto custo da ciência praticada no Brasil, o qual associado à baixa produtividade de publicações de alta qualidade torna o sistema pouco eficiente. Cabe aqui valorizar a conduta dos governantes brasileiros nas últimas décadas. Esse alto dispêndio é produto de uma política de estado que valoriza a ciência e a tecnologia. A crítica mais importante refere-se a como esses recursos são distribuídos. Infelizmente, impera uma política pouco meritocrática de distribuição.

A sua crítica quanto ao investimento em regiões "ainda não desenvolvidas" do país é uma grande besteira. Se os EUA pensassem dessa forma, hoje não teríamos Stanford, MD Anderson e todo o sistema das UCs. Precisamos sim descentralizar mas de forma qualificada e criteriosa.

A questão da carreira universitária, extremamente pertinente, acaba sendo desqualificada pelo seu comentário que os concursos são "frequentemente falsificados". Ora, uma acusação genérica desse tipo não é aceitável. Se o professor Rogério sabe de casos assim (já que segundo ele são "frequentes"), que os denuncie às autoridades pertinentes. Participei como banca de vários concursos públicos e nunca presenciei nenhum tipo de "falsificação".  A questão da carreira universitária é muito importante e merece uma discussão mais elaborada. Acho, por exemplo, que as mudanças feitas no ano passado foram um retrocesso (irei discutir isso em algum outro post no futuro). Um ponto que para mim parece óbvio é a questão da carga horária (de aula) exigida para todos os docentes das universidades públicas. Ela é a mesma independente da competência de uma dado docente em fazer pesquisa. Se um dado indivíduo é um bom pesquisador, ele(a) tem a mesma carga horária que alguém que não tem produtividade. Agora, se a mesma pessoa tem um cargo administrativo, em muitas universidades a sua carga horária é diminuída. Isso me parece um erro de avaliação e volta ao ponto que a prioridade nas universidades não é fazer pesquisa.

Esse é um assunto complexo e voltarei no futuro com outros posts relacionados.
 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Riscos da biologia sintética? Dê sua opinião!



Em Dezembro, a União Europeia (através do seu Comitê Científico) publicou um rascunho de um documento sobre os riscos da biologia sintética.  O documento (disponível aqui em inglês) primeiro define o que é biologia sintética e quais áreas estariam cobertas pela definição proposta. Segundo o comitê, a biologia sintética é " ... the application of science, technology and engineering to facilitate and accelerate the design, manufacture and/or modification of genetic materials in living organisms". No restante do documento, há uma discussão sobre a existência de tecnologias adequadas para se avaliar os riscos da biologia sintética. De maneira geral a avaliação é negativa principalmente quanto à existência de "safety locks" eficientes. Um "safety lock" seria um mecanismo de controle que permitiria, por exemplo, matar o organismo geneticamente modificado caso alguma coisa desse errado.
O documento é ainda preliminar. Pessoas interessadas no assunto podem enviar sua opinião sobre o assunto até 03 de Fevereiro de 2015. Um documento final será publicado por volta de Maio de 2015.
Detalhes em como submeter a sua opinião podem ser encontrados aqui.