quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O artigo da Nature que nunca foi publicado


            Os artigos do Projeto Genoma Humano e do projeto desenvolvido pela Celera foram publicados pelas revistas Nature e Science, respectivamente, em Fevereiro de 2001. O que pouca gente sabe é que os dois trabalhos estavam programados para serem publicados juntos na Science. O que aconteceu que fez com que os dois artigos fossem para revistas diferentes? A Celera recusou-se a disponibilizar os dados oriundos do seu projeto visto que a companhia tinha interesse em disponibilizar os dados e anotações mediante o pagamento de uma taxa de acesso (o que veio a acontecer – lembro que o Instituto Ludwig comprou o acesso aos dados da Celera e o disponibilizou a todos os seus pesquisadores). A recusa em disponibilizar os dados foi aceita pela Science, o que gerou uma revolta nos líderes do Projeto Genoma Humano. De fato, na época, a publicação de qualquer sequência de DNA, RNA ou proteína estava condicionada à disponibilização da mesma no principal banco público, o Genbank. O que fez então o Projeto Genoma Humano? Migrou para a Nature. Além de uma boa estória sobre um momento histórico da ciência internacional, o desfecho acabou afetando de forma negativa a iniciativa genômica brasileira. Na época estávamos no meio do Projeto Genoma Humano do Câncer, cujo objetivo, plenamente cumprido, era sequenciar pelo menos um milhão de sequências expressas de vários tumores com alta incidência no Brasil. Mas como a migração do paper do Projeto Genoma Humano da Science para a Nature nos afetou? Na ausência de um dos dois papers descrevendo a sequência do genoma humano, a Nature havia planejado uma edição especial com dados de outros projetos que pudessem ser usados na anotação do genoma humano.  Em conversas mantidas entre Ricardo Brentani, Andrew Simpson, eu e Bob Strausberg (diretor de um projeto similar americano, o CGAP e membro do comitê avaliador do projeto brasileiro) decidimos por contactar a Nature e submeter um artigo onde os dados do nosso projeto e do CGAP seriam usados em conjunto para ajudar na identificação dos genes humanos e seus variantes. A idéia foi recebida com entusiamo por uma das editoras-sênior da Nature, Carina Dennis. As análises prometidas à Nature já estavam sendo feitas pelo nosso projeto. Começamos então a redigir o manuscrito para a submissão. Lembro que algumas versões preliminares foram inclusives enviadas informalmente à Carina Dennis que opinou e indicou análises que deveriam estar presentes na submissão formal (procedimento normal em edições especiais). Pois bem, quando ocorreu a migração do paper do Projeto Genoma Humano para a Nature, a mesma se viu obrigada a desfazer o plano original e abrir espaço para o paper do Projeto Genoma Humano (um artigo com >50 páginas), além de outros textos associados ao artigo. O nosso paper então foi gentilmente recusado. Tudo isso aconteceu no final de 2000. Apesar de já ter informações de que a razão da recusa foi a migração do paper do Projeto Genoma Humano para a Nature, tive a confirmação da própria Carina Dennis em Março de 2001, depois de algumas caipirinhas na Ilha Grande. Agora, por que eu estava tomando caipirinha com uma editora-sênior da Nature na Ilha Grande? De 26-29 de março de 2001, organizamos a "Brazilian International Genome Conference" no Hotel do Frade em Angra dos Reis.  Aproveitei e convidei alguns dos palestrantes estrangeiros para visitar a Ilha Grande. A foto abaixo foi tirada na pousada Sankay (que infelizmente foi destruída em um deslizamento de lama alguns anos depois) durante a nossa estadia de 2-3 dias. Carina Dennis é a terceira da esquerda para a direita (em pé). Na foto, algumas figuras ilustres da ciência mundial. O segundo da direita para a esquerda (em pé de chapéu) é Walter “Wally” Gilbert, prêmio Nobel de Química em 1980 e meu mentor durante meus anos em seu laboratório na Harvard. Ao lado de Carina Dennis (de óculos escuros) está Swante Paabo, pesquisador alemão responsável pelo desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento de fosséis humanos.  Ele é atualmente um dos pesquisadores mais citados na literatura mundial. Ao seu lado esquerdo está Gene Myers, na época o bioinformata da Celera Genomics. 

 

sábado, 13 de dezembro de 2014

Antes que meus neurônios morram


Tive o privilégio de participar de uma das mais importantes iniciativas científicas no Brasil, a iniciativa da genômica iniciada em 1997 no estado de São Paulo graças à ação da Fapesp. Antes que a morte dos meus neurônios, milhares por dia, afete a minha capacidade de lembrar alguns fatos importantes decidi postar algumas recordações e reflexões sobre aquele momento histórico da ciência brasileira. Enfatizo que o farei ao longo de vários posts que provavelmente tomarão alguns meses. Saliento também que darei em alguns posts uma noção mais histórica do período e em outros focarei em personagens ou eventos que merecem, penso, algumas reflexões. Vale também mencionar que não haverá uma sequência temporal nos posts. Ou seja, posso começar falando de 1997 em um primeiro post, pular para 2005 no outro e aí voltar para 1999 no terceiro.

            A segunda metade da década de 90 foi caracterizada nas ciências da vida pelo início do que convencionou-se chamar de “era genômica”.  O grupo de Craig Venter, então no instituto TIGR, publicou um artigo na revista Science descrevendo o sequenciamento do genoma da bactéria Haemophilus influenza, causadora de um tipo de meningite. O artigo foi revolucionário não só pelo fato de que representava a caracterização genética completa de uma espécie auto-replicativa (alguns virus já haviam sido sequenciados antes de 1995) mas também foi inovador sob uma ótica metodológica. O sequenciamento foi feito utilizando-se uma tecnologia chamada de “shotgun do genoma inteiro", onde fragmenta-se de forma aleatória o DNA genômico e os fragmentos são sequenciados redundantemente. Programas de computador são então usados para ordenar as sequências geradas fazendo então a “montagem” do genoma. Os anos que se seguiram a esse primeiro genoma testemunharam uma avalanche de outros genomas, principalmente de espécies bacterianas (devido ao seu menor tamanho).

            E onde entra o Brasil nessa estória? Aqui cabe mencionar o nome do Prof. José Fernando Perez. Um físico de renome proveniente da Universidade de São Paulo, Perez ocupava na segunda metade da década de 90 um dos postos mais importantes da ciência brasileira: diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Perez estava convencido de que o país precisava de um projeto impactante e ousado. Em uma visita aos EUA ele ficou impressionado com uma conversa com Leroy Hood (um dos pioneiros das tecnologias de sequenciamento de DNA). Mas a ideia de se fazer um projeto genoma foi do biólogo Fernando Reinach, na época professor-titular do Dep. de Bioquímica da USP. Em várias entrevistas nos anos seguintes, Perez e Reinach salientaram alguns pontos que aparentemente eram consensuais já no início da discussão sobre o projeto, entre eles: 1) o projeto deveria aproveitar a infra-estrutura já existente no estado de São Paulo, ou seja, recursos não deveriam ser gastos em prédios; 2) o organismo a ser sequenciado deveria ter um impacto na área econômica e 3) esse impacto deveria estar ligado à agricultura. O ponto 1 acima foi brilhante. Muitos projetos no Brasil e no mundo gastam recursos na construção de uma infra-estrutura física como prédios e laboratórios. O projeto paulista formou uma rede de laboratórios sob o acrônimo ONSA (Organization for Nucleotide Sequence Analysis) que lembrava o instituto americano TIGR, na época a Meca da genômica. 

to be continued.......

Just another day (or evening?) at the office


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ariano Suassuna, criacionista

   Venho resistindo a publicar este post desde a morte de Ariano Suassuna em Julho deste ano. Afinal mostrar a ignorância de alguém nunca é algo nobre, especialmente se o indivíduo já morreu. Quando ele é alguém cuja obra é admirável, pior ainda. Pois o vídeo abaixo mostra uma faceta de Ariano Suassuna que é simplesmente triste.


   Fiquei envergonhado por ele. O grande escritor mostra uma completa ignorância sobre o que é
ciência. Lamentável. Imagino que a motivação de suas convicções anticientíficas seja religiosa, como ele próprio já indica. Mas há traços no seu discurso que lembram, e muito, os argumentos criacionistas americanos (o argumento do pregador de roupa, por exemplo).
    O trabalho dos cientistas em mostrar a natureza do processo científico e sua importância ao público leigo é árduo. Mesmos pessoas esclarecidas e reconhecidas pelo seu brilhantismo são capazes de demonstrar a sua total ignorância sobre a ciência.

    Prefiro ficar na memória com o autor da frase abaixo.

"Matar padre dá um azar danado. Sobretudo para o padre."
(Em "O Auto da Compadecida")