quinta-feira, 19 de junho de 2014

o velhinho da Harvard


O século 20 representou para a Biologia aquilo que a copa de 62 representou para o futebol brasileiro: afirmação. Depois da Suécia em 58, o título em 62 no Chile mostrou ao  mundo, principalmente depois da contusão de Pelé no segundo jogo, que o futebol brasileiro havia encontrado o caminho das vitórias e pouco restava às outras escolas futebolísticas. Depois da revolução promovida por Darwin e Wallace na metade do século 19, o século 20 começou de forma primorosa para a Biologia. Os trabalhos do monge Gregor Mendel, realizados no século 19 e que definiram as leis da hereditariedade, foram re-descobertos nos primeiros anos do século 20.  Seguiu-se o trabalho de Morgan e lá pelos anos 30/40 houve a convergência do Darwinismo e do Mendelismo com a Teoria Sintética da Evolução (até hoje o paradigma das ciências da vida). Os anos 40 testemunharam a descoberta de que o DNA é o elemento carreador da informação genética. Um modelo da estrutura do DNA foi publicado em 1953 com todas as suas implicações. Começou ali a era da biologia molecular que deu origem à biotecnologia nos anos 70/80. Os primeiros genomas começaram a ser sequenciados no meio da década de 90 e o fim do século nos presenteou com o rascunho do genoma humano. Muitos cientistas ao longo desse último século contribuíram para a afirmação da Biologia. Posso citar sem hesitação nomes como Dobzhanski, Haldane, Wright, Avery, Watson, Crick, Sanger, Gilbert entre muitos outros.





Nesses dias de chuva em Natal, gastei um pouco mais de tempo na minha pequena biblioteca e me senti inspirado para escrever algumas linhas sobre aquele que considero o maior biólogo do século 20: Ernst Mayr. A inspiração veio do fato de ter folheado um livro que comprei em minha primeira viagem aos EUA em 1992. O título: "Towards a new phylosophy of Biology". Nele Mayr, que em 1992 tinha 88 anos de idade, argumenta em favor da autonomia da Biologia como ciência. Hoje isso parece ser uma discussão ultrapassada mas até a segunda metade do século 20 a Biologia era considerada a prima pobre das ciências. Apesar das grandes descobertas da biologia no século 19 e 20, muitas das suas concepções permaneceram ignoradas pela filosofia da ciência. O físico Rutherford chegou a dizer "..que as outras ciências eram como coleção de selos".  Mayr foi um dos pioneiros em mostrar a legitimidade da biologia como ciência.

Mayr, um dos pioneiros nos estudos de especiação, foi também um grande divulgador de ciências. Vários dos seus livros estão disponíveis em português, entre eles: "O que é a evolução", "Isto é biologia", "Biologia, ciência única" e "Uma ampla discussão".

Logo quando cheguei aos EUA na Universidade de Harvard para fazer o meu pós-doc, em 1995, me deparei nos corredores do BioLabs com um velhinho simpático, que imediatamente reconheci como Mayr. No primeiro seminário do departamento, lá estava ele sentado na primeira fila. Aliás, era muito comum vê-lo nos seminários e na biblioteca. Mayr faleceu em Fevereiro de 2005 aos 100 anos de idade.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Aprendizado ativo!!

 



Um artigo publicado hoje no PNAS (disponível gratuitamente aqui) traz alguns números que fortalecem a adoção de estratégias de aprendizado ativo no ensino de STEM (science, technology, engineering and mathematics). O aprendizado ativo envolve situações onde os alunos são levados a "botar a mão na massa", ao invés de serem agentes passivos em aulas discursivas. O artigo do PNAS faz uma meta-análise de 225 estudos independentes realizados nos EUA. Os autores avaliaram dois parâmetros: nota e desistência dos alunos. Eles concluíram que as notas dos alunos submetidos ao aprendizado ativo era em média 6% mais alta e que os estudantes submetidos as aulas discursivas tinham em média 50% mais chance de desistirem da disciplina. Um aspecto interessante é que as diferenças notadas acima persistem em diferentes tamanhos de classes embora o sinal estatístico seja mais significativo em classes com menos alunos (n< 50).

  Os autores questionam o uso de aulas discursivas e advogam a favor do aprendizado ativo.

  ASSINO EMBAIXO!


domingo, 8 de junho de 2014

Obesidade

 

 
   Um artigo* na revista Nature de 8 de Maio traz boas novas quanto ao método mais eficaz de combater a obesidade: cirurgias bariátricas para redução do estômago. Até a publicação desse artigo a maioria dos pesquisadores e do público leigo acreditavam que a perda de peso (e também a cura da diabetes tipo 2) devia-se à redução do tamanho do estômago e consequentemente em sua capacidade de acomodar uma refeição. Já se sabia anteriormente que a cirurgia levava a mudanças na circulação dos ácidos biliares entre o fígado e o sistema digestivo. Sabia-se também que os ácidos biliares ligam-se a uma proteína chamada de FXR (farnesoid-X receptor), a qual quando ativada migra para o núcleo e ativa a expressão de uma série de genes e regulando vários aspectos metabólicos. Esses dados prévios levaram os autores a pensar que o gene FXR estivesse envolvido nos benefícios das cirurgias bariátricas.

   A estratégia experimental adotada pelos autores foi relativamente simples.  Eles executaram cirurgias bariátricas em dois grupos de camundongos obesos (induzidos por dieta): indivíduos onde o gene FXR havia sido deletado e indivíduos onde o gene estava presente. Todos os resultados apresentados pelos autores sugerem fortemente que a cirurgia bariátrica é efetiva somente na presença do gene FXR.  Uma das principais diferenças entre os dois grupos de animais é a composição da microbiota intestinal.

  Os resultados apresentados sugerem que o gene FXR possa ser uma alternativa para o desenvolvimento de terapias menos invasivas e ao mesmo tempo tão eficientes quanto às cirurgias bariátricas.


* Ryan et al. (2014) Nature 509:183-188.

domingo, 1 de junho de 2014

cientista ou gestor?

   Os cientistas americanos passam em média 42% do seu tempo em atividades administrativas relacionadas aos seus auxílios de pesquisa. É muito tempo!! No Brasil desconheço qualquer estudo que tenha estimado o tempo gasto por nossos pesquisadores em atividades administrativas. Deve ser menor que os 42% dos EUA mas não muito menos visto que aqui fazemos atividades que lá são feitas por administradores e/ou secretárias das instituições. Além do mais. aqui gastamos muito mais tempo dando aula (assunto que irei abordar em outro post futuro). Pois bem, o National Science Board (NSB) publicou uma série de recomendações para diminuir o impacto dessas atividades administrativas na produtividade de um pesquisador americano. Elas são:

1. Diminuir os requisitos para aplicação de auxílios deixando apenas aqueles que permitam uma avaliação do mérito técnico/científico da proposta. No Brasil, estamos bem em relação a isso. As submissões de propostas são relativamente simples e feitas pela internet. Há exceções mas a regra é bastante positiva.

2. Simplicar os relatórios anuais. No Brasil, novamente, estamos bem. Muitas vezes os relatórios são exigidos apenas no final do auxílio.

3. Tornar os diretores das agências de fomento mais acessíveis às demandas da comunidade científica. No Brasil, a maioria dos gestores são cientistas ou ex-cientistas (o que aliás acho um erro, deveriam ser administradores) e por isso mais acessíveis à comunidade.

4. Desenvolver um sistema mais eficiente para submissão dos relatórios. Estamos bem no Brasil como discutido acima.

5. Facilitar a aprovação de estudos envolvendo humanos. Estudos que envolvem humanos precisam ser aprovados por vários comitês, tanto nos EUA quanto aqui. O NSB propõe que a aprovação em apenas um deles seja suficiente e que estudos envolvendo riscos pequenos tenham menos burocracia. Algo assim seria muito útil por aqui.

6. Diminuir as exigências em relação aos estudos com animais. De maneira geral, no mundo todo, tem havido um aumento considerável nas exigências para aprovação de estudos envolvendo animais. Embora tal regulação seja importante, o relatório do NSB argumenta que há de certa forma um exagero e que o processo como um todo poderia ser simplificado sem a perda da capacidade regulatória.

7. Reavaliar os requisitos relacionados à segurança. Muitos desses requisitos são importantes em um ambiente industrial mas são de certa forma exagerados em um ambiente acadêmico.

8. Uniformizar o sistema de submissão de propostas entre as diferentes agências de fomento. Isso seria bastante útil no Brasil.

9. Diminuir as exigências dos auditores. Muitas vezes o sistema de auditoria trata com o mesmo rigor burocrático gastos de proporções diferentes. O NSB sugere que para os gastos de menor porte, a auditoria seja mais simples. No Brasil, como há uma maior restrição quanto aos gastos o processo de auditoria torna-se mais simples. Aqui também, o processo de submissão dos relatórios financeiros é relativamente simples, o que facilita todo o processo. Há também diferenças entre as agências de financiamento e mesmo entre os tipos de auxílio. Algumas agências de financiamento no Brasil são reconhecidamente mais burocráticas no processo de auditoria.

10. Encorajar as instituições a diminuírem a burocracia local. No Brasil, na maioria das vezes, o pesquisador interage diretamente com as agências de fomento. O contrato inclusive é na maioria dos casos feito sob o CPF do pesquisador e não o CNPJ da instituição. Um maior envolvimento das instituições seria muito importante no Brasil para diminuir o tempo gasto pelos pesquisadores com atividades administrativas.